Matéria especial do STJ reúne jurisprudência sobre os abusos ao direito de recorrer. Atualmente, a Corte defende, por exemplo, a criação ...
Matéria
especial do STJ reúne jurisprudência sobre os abusos ao direito de recorrer.
Atualmente, a Corte defende, por exemplo, a criação de um filtro de relevância
para admissão do recurso especial.
De
acordo com a reportagem, em artigo de 1993, o hoje ministro do STF Luiz Fux
aponta que desde a Bíblia se registra a existência de "recursos",
como os cabíveis ao Conselho dos Anciãos de Moisés contra os chefes de cem
homens. Estes, por sua vez, recebiam recursos contra decisões dos chefes de 50
homens, e estes, dos chefes de dez homens.
A
Constituição do Império, de 1824, trazia disposição incluindo o direito de
recorrer como garantia da boa Justiça. Os tribunais (relações) julgariam as
causas em segunda e última instância, sendo criados tantos tribunais quantos
necessários à "comodidade dos povos". Nem mesmo a Constituição de
1988 é tão explícita, fixando-se no direito à ampla defesa e aos "meios e
recursos a ela inerentes".
Quando
o direito de recorrer se torna excessivo? O STJ registra um caso classificado
como "reconsideração de despacho nos embargos de declaração no recurso
extraordinário no agravo regimental nos embargos de declaração no agravo em
recurso extraordinário no recurso extraordinário nos embargos de declaração nos
embargos de declaração no agravo regimental no agravo de instrumento".
Há
também "embargos de declaração nos embargos de declaração nos embargos de
declaração nos embargos de declaração nos embargos de declaração no agravo regimental
no recurso extraordinário nos embargos de declaração nos embargos de declaração
nos embargos de declaração no agravo regimental no recurso especial". São
muitos os exemplos.
Jus sperniandi
Quando
esse direito de recorrer é exercido de forma abusiva, usa-se uma expressão
comum no meio jurídico: diz-se que a parte exerce seu jus sperniandi. O falso
latinismo alude ao espernear de uma criança inconformada com uma ordem dos
pais. O termo, de uso por vezes criticado, é encontrado rara e indiretamente na
jurisprudência do STJ.
Em
2007, por exemplo, a ministra Laurita Vaz negou o Agravo de Instrumento
775.858, do MP/MT, contra decisão da Justiça local que concedeu liberdade a um
então prefeito acusado de fraudes em licitações.
O
juiz havia determinado a prisão do acusado, mas o TJ/MT entendeu que não havia
violação da ordem pública na entrevista que concedeu à imprensa.
Conforme
a ministra, para o TJ/MT, o acusado "apenas exerceu seu jus sperniandi
acerca das imputações que lhe eram feitas, sem qualquer ameaça, rechaçando a
tese de conveniência da instrução criminal".
De
modo similar, no REsp 926.331, a ministra Denise Arruda, já falecida, manteve
acórdão do TRF da 3ª região que entendeu que o exercício do "natural jus
sperniandi" não configura atentado à dignidade da Justiça. "A
especiosa urgência na distribuição de justiça não deve elidir o natural jus
sperniandi", afirmou o TRF.
Litigância de má-fé
A
legislação prevê sanções para o abuso do direito de recorrer. Em um caso
relatado pela ministra Nancy Andrighi, o STJ aplicou multa de 1% sobre o valor
da execução e mais 10% em indenização a um perito que tentava receber seus
honorários havia 17 anos.
A
punição se somou a outras, aplicadas ao longo de 14 anos de tramitação do
processo na Justiça (o perito só iniciou a cobrança depois de esperar três anos
pelo pagamento espontâneo).
"A
injustificada resistência oposta pelos recorrentes ao andamento da ação de
execução e sua insistência em lançar mão de recursos e incidentes processuais
manifestamente inadmissíveis caracterizam a litigância de má-fé", afirmou
a ministra.
"Felizmente,
não são muitas as hipóteses nas quais o Judiciário se depara com uma conduta
tão desleal quanto a dos recorrentes", acrescentou a relatora (RMS
31.708).
Fazenda condenada
A
tentativa de procrastinar a efetivação de uma decisão do STJ em recurso
repetitivo (REsp 1.035.847) levou a Fazenda Nacional a uma condenação. O caso
tratava da correção monetária de créditos não escriturais de IPI.
Para
o então ministro do STJ Luiz Fux, a Fazenda tentou inovar nas razões dos
embargos de declaração, apresentando argumentos que não constavam no recurso
especial. O ente público foi multado em 1% do valor da causa, por tentar apenas
adiar a solução do processo.
A
União também foi condenada no REsp 949.166. Nesse caso, o ministro Mauro
Campbell Marques afirmou que, ao apresentar diversos embargos de declaração
protelatórios, a União contrariava o interesse público que levou à criação da
AGU.
Juízes inimigos
"Em
tempos de severas críticas ao Código de Processo Civil brasileiro, é preciso
pontuar que pouco ou nada adiantará qualquer mudança legislativa destinada a
dar agilidade na apreciação de processos se não houver uma revolução na maneira
de encarar a missão dos tribunais superiores", acrescentou o ministro.
"Enquanto
reinar a crença de que esses tribunais podem ser acionados para funcionar como
obstáculos dos quais as partes lançam mão para prejudicar o andamento dos
feitos, será constante, no dia a dia, o desrespeito à Constituição",
afirmou.
"Como
se não bastasse, as consequências não param aí: aos olhos do povo, essa
desobediência é fomentada pelo Judiciário, e não combatida por ele; aos olhos
do cidadão, os juízes passam a ser inimigos, e não engrenagens de uma máquina
construída unicamente para servi-los", completou o relator.
Execução imediata
No
REsp 731.024, em 2010, o ministro Gilson Dipp, depois de julgar o recurso, o
agravo regimental e cinco embargos de declaração, aplicou multa por protelação.
Ele também determinou a imediata devolução dos autos à origem para execução do
acórdão do recurso especial. Neste caso, houve ainda novo embargo de
declaração, de outra parte, que foi igualmente rejeitado, já em 2013, pela
ministra Regina Helena Costa, que sucedeu o relator.
Solução
similar foi adotada pelo ministro Rogerio Schietti Cruz na Medida Cautelar
11.877. Ao julgar os quartos embargos de declaração do ex-juiz Nicolau dos
Santos Neto, o ministro reconheceu abuso no direito de recorrer e determinou o
trânsito em julgado e o arquivamento imediato da medida. Para ele, a jurisdição
das instâncias extraordinárias já estaria esgotada no caso, tendo os embargos o
objetivo apenas de adiar o resultado final da ação penal.
O
mesmo réu já havia tido o cumprimento provisório da pena convertido em
definitivo pelo STJ nos Embargos de Declaração nos Embargos de Declaração no
Agravo Regimental no Agravo de Instrumento 1.001.473. Naquele julgamento, os
ministros da Sexta Turma entenderam que a intenção da defesa era meramente
protelatória, devendo ser executada a condenação independentemente da
publicação do acórdão ou da pendência de outros recursos.
Embargos protelatórios
Em
um caso julgado pelo ministro Sidnei Beneti, no REsp 1.063.775, a parte
buscava, em segundos embargos de declaração, questionar o mérito do recurso, o
julgamento conjunto dos processos, a falta de transcrição de notas
taquigráficas e a necessidade de republicação dos acórdãos.
Esses
embargos foram rejeitados, com advertência de que a insistência na protelação
levaria à aplicação de multa. A mesma parte embargou novamente a decisão, afirmando
que o relator não teria informado aos demais ministros todos os argumentos
apresentados. Segundo o embargante, ele teria se limitado a apontar que o
recurso foi apresentado por advogado sem procuração nos autos.
Para
o ministro, diante desses terceiros embargos improcedentes e com
"procrastinação objetiva, a caracterizar verdadeiro abuso do direito de
recorrer", fez-se necessário certificar o trânsito em julgado imediato do
processo, determinar a baixa dos autos e aplicar multa de 1% por protelação injustificada.
34 recursos
Em
outro caso, também relatado pelo ministro Beneti, uma parte apresentou 34
recursos, além de exceções de impedimento e suspeição contra nove ministros,
todos rejeitados. No processo específico, a parte insistia em recorrer sem ter
recolhido multa imposta antes por recursos protelatórios.
No
Agravo Regimental no Agravo em REsp 133.669, o ministro cita que no direito
internacional, houve situação em que se proibiu o ingresso de novas ações sobre
um mesmo caso pelo abuso do direito de recorrer ou demandar. Ele também citou
decisão da Justiça alemã que aponta ser elemento da segurança e da paz
jurídicas, assim como do devido processo legal, o término das lides em algum
momento.
"Compreendendo-se,
evidentemente, em termos humanos, que a parte envolvida no litígio,
subjetivamente não se conforme com a decisão contrária, deve-se, no campo
estritamente objetivo-jurídico, assinalar que, afinal de contas, o litígio
judicial necessita terminar", ponderou o ministro Beneti.
Mas
contrapôs: "Do ponto de vista estritamente processual-jurídico, falta ao
recurso pressuposto processual recursal objetivo, consistente no recolhimento
da multa, em situação análoga à da falta de preparo, em que, mantida a decisão
relativa à necessidade de preparo, não há como admitir outro recurso que reviva
a matéria."
5%
Na
maioria dos casos, a multa fica em 1% do valor da causa ou da condenação, na
linha do artigo 538 do CPC. Mas nos Embargos de Declaração nos Embargos de
Declaração nos Embargos de Declaração no Agravo Regimental no Agravo em Recurso
Extraordinário no Recurso Extraordinário nos Embargos de Declaração no Recurso
em MS 29.726, a Corte Especial do STJ decidiu ampliar a multa para 5% do valor
da causa.
"O
inconformismo com o resultado da decisão não pode servir de argumento à
interposição continuada de recursos, como vem ocorrendo na hipótese dos autos,
especialmente diante da ausência de vícios no julgado", afirmou o relator,
ministro Gilson Dipp.
O
mesmo patamar de penalidade foi aplicado também pela Corte Especial, em outro
caso relatado pelo ministro Dipp, no Agravo Regimental no Agravo em Recurso
Extraordinário no Agravo Regimental no Recurso Extraordinário nos Embargos de
Declaração nos Embargos de Declaração nos Embargos de Declaração nos Embargos
de Declaração nos Embargos de Declaração no Agravo Regimental no Agravo de
Instrumento 603.448.
"O
ora agravante, devidamente assistido por seus advogados, tem, de forma
temerária, interposto, neste e em diversos outros feitos em trâmite nesta
Corte, um elevado número de recursos e incidentes processuais sem quaisquer
fundamentos legais, todos relacionados ao mesmo processo no tribunal de origem,
configurando, assim, nítido abuso do poder de recorrer", justificou o
relator. Não por acaso, nesta reportagem, a mesma parte é citada em dois
exemplos distintos.
10%
Novamente
o ministro Dipp, igualmente na Corte Especial, foi o relator dos Embargos de
Declaração nos Embargos de Declaração nos Embargos de Declaração nos Embargos
de Declaração no Agravo Regimental nos Embargos de Declaração no Agravo em
Recurso Extraordinário no Recurso Extraordinário nos Embargos de Declaração nos
Embargos de Declaração nos Embargos de Declaração nos Embargos de Declaração
nos Embargos de Declaração nos Embargos de Declaração no REsp 970.879.
No
último recurso, a parte questionava a aplicação da multa anterior de 1%,
insistindo que sua pretensão não era protelatória. Nesse caso, os ministros
decidiram aplicar a multa máxima prevista para o abuso do direito de recorrer:
10% do valor da causa.
Multa repetida
Nos
Embargos de Declaração nos Embargos de Declaração nos Embargos de Declaração no
Agravo Regimental nos Embargos de Divergência em REsp 1.100.732, o ministro
Castro Meira, já aposentado, aplicou duas multas por protelação no mesmo
processo.
A
parte já havia sido condenada, primeiro, em 1% do valor da causa, valor depois
aumentado para 10%. Mesmo assim, a parte apresentou novos embargos de
declaração, também rejeitados, com imposição de baixa imediata dos autos.
Porém,
essa última medida não pôde ser cumprida em razão da interposição dos embargos
de divergência. Eles tiveram seguimento negado, pela falta de comprovação de
pagamento de custas. A parte apresentou agravo regimental, também rejeitado.
Em
seguida três novos embargos de declaração foram sucessivamente opostos, com
fundamentos idênticos. As medidas adiaram em dois anos a efetivação da decisão
do STJ.
20%
"A
utilização seguida de embargos declaratórios caracteriza novo abuso de direito,
distinto do anterior, que deve ser repelido, agora, com as sanções do artigo 18
do CPC, em virtude da litigância de má-fé", afirmou o relator.
Além
da nova multa de 1%, cumulada com a anterior, nesse caso o STJ determinou ainda
que o embargante pagasse indenização de 20% à parte que teve seu direito
prejudicado, além de ressarcimento das despesas com honorários contratuais
referentes ao período de atraso decorrente do abuso do direito de recorrer. O
caso ainda foi encaminhado ao Ministério Público Federal, para apuração de
ilícito penal, e à OAB.
Cumulação de multas
A
jurisprudência do STJ entende que as multas do artigo 538, aplicável apenas aos
embargos declaratórios, ou do artigo 557, incidente nos agravos regimentais,
não podem ser cumuladas com a do artigo 18 (por litigância de má-fé). Porém, no
REsp 979.505, o ministro Mauro Campbell Marques esclareceu que essa
impossibilidade de cumulação diz respeito a um mesmo recurso.
Nesse
caso, o tribunal de origem já havia aplicado a multa pelos embargos
declaratórios protelatórios, fundamentada no artigo 538. Mas o relator entendeu
pela aplicação de nova multa, com base no artigo 18, em razão de o próprio
recurso especial ser protelatório.
"Não
há como negar, portanto, o caráter protelatório do recurso especial",
afirmou o ministro, acrescentando que a multa do artigo 18 "é
genericamente aplicável a todas as situações em que houver abuso do direito de
recorrer, até mesmo nas instâncias extraordinárias".
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